É louvável
a iniciativa da Companhia de Artes Nissi em realizar um filme que aborde um
assunto tão debatido, mas tratado com descaso pelo poder público: as drogas. “Metanoia
– Mães de Joelhos, Filhos de Pé”, primeira grande produção do grupo de teatro
Jeová Nissi em parceria com a 4U Filmes, narra a história de um rapaz que
enfrenta a dependência de crack desde a sua iniciação até o período de
desintoxicação. O nome que dá título ao filme vem do grego metanoien e
significa mudança de mente, transformação.
O filme
foi gravado em grande parte na Cracolândia e no Jardim Ângela, em São Paulo. Lá
na Zona Sul da capital paulista, Eduardo (Caíque Oliveira), um rapaz de
aparentemente 25 anos, vive com Solange (Einat Falbel), sua mãe. Ela o criou sozinha
desde pequeno. Apesar de já manter contato com a maconha, Eduardo não mantém o
vício nas drogas até conhecer Jeff (Caio Blat), um playboy que o oferece crack.
Num estalar de dedos, o rapaz se vicia e sofre sua primeira transformação. De
um filho obediente torna-se agressivo.
Nem com a
morte de Jeff (isto não é spoiler), Eduardo deixa o vício, pois como ele mesmo
diz “aquela pedra [o crack] já estava dentro de mim”. A partir de então, ele
começa a vender objetos pessoais, da mãe e passa a assaltar pessoas a mão
armada. O rapaz alegre e espontâneo agora é sujo, viciado e morador de rua.
O ator Caio Blat participou do filme. (Foto/Divulgação)
Pecados -
Por ser
ambientado em uma zona periférica de São Paulo, o personagem Eduardo é cheio de
gírias, o que pode levar o expectador de outras localidades do Brasil a um
certo desconforto. Contudo, é interessante a forma como o diretor Miguel Nagle
descreveu esse universo. Ele, que divide o roteiro com Caíque Oliveira, evita
os clichês religiosos, mas peca por apresentar uma sequência narrativa
não-linear em que não fica perceptível o que é passado e presente. As cenas em
que Eduardo está preso em um quarto fechado por grades e suas atividades
anteriores não sofrem nenhuma quebra ou sinalização do que está acontecendo.
Curiosamente,
por viver em um bairro tipicamente violento e que sofre influência do tráfico
de drogas, Eduardo não ficou refém dessas substâncias ilícitas a partir do
relacionamento com moradores da comunidade, mas por alguém estranho aquela
zona. O que, de fato, não deixa de acontecer em muitas famílias da periferia.
Mas não há só esta falha. A situação do personagem central não é tratada como
um caso de saúde pública, pois não há intervenção do poder público para
resolver o problema. Ele sequer é citado. Isto se dá em virtude da escolha
adotada pelos roteiristas que, por serem cristãos, recorreram a espiritualidade
como forma de “salvação” ou “transformação” de Eduardo.
Cena emocionante entre Solange Couto e Silvio Guindane. (Foto/Divulgação)
Salvação -
Uma das
cenas mais brilhantes do filme foi protagonizada por Solange Couto e Silvio
Guindane. Os dois se reencontram depois de 14 anos. Em 2001, eles viveram a
dupla Dona Jura e Basílio na novela O Clone (Rede Globo). Desta vez, na tela do
cinema, eles interpretam Clara e Cadu, mãe e filho, respectivamente.
O momento
é de extrema emoção, já que Clara é uma mãe que não aceita a condição do filho.
Ele abandonou a família para residir na Cracolândia. Solange Couto, que na
época da gravação estava bem forte, nos constrange com sua atuação forte e
comovente. Os diálogos são dilacerantes, pois só quem passa ou já passou por
uma experiência como esta sabe o quão angustiante é ter um filho, parente ou
amigo à mercê das drogas. Em um momento, ao ser orientado por Clara para que
deixe de se matar com o crack, Cadu se compara a um morto e adverte: “Como é
que se mata alguém que está morto?”
“Metanoia
- Mãe de Joelhos, Filhos de Pé” é um filme cristão. Ele foi vencedor de oito
prêmios no II Festival Nacional de Cinema Cristão, incluindo melhor filme. Para
ser lançado, Caíque e parte da equipe da Cia de Artes Nissi arrecadaram cerca
de R$ 900 mil com a venda de trufas, CD’s, DVD’s, camisas e outros utensílios
da companhia.
Parte da
renda arrecadada com a exibição de Metanoia será destinada à construção de uma
clínica para tratamento de dependentes químicos. Em um vídeo que circula pelas
redes sociais, Caíque Oliveira diz que o projeto Metanoia não acabará após o lançamento
nos cinemas. “O objetivo dessa obra é construirmos uma clínica de tratamento
para artistas usuários da droga. Queremos ajudar a recuperar a essência desses
artistas. Cantamos ‘meus heróis morreram de overdose’, mas até quando
teremos que perder pessoas tão preciosas por causa das drogas?”, questionou.
Na semana
de estreia, Metanoia foi exibido em 48 salas de cinema pelo país e teve a
melhor média de público por sala de um filme nacional de estreia. Entre os
lançamentos daquela semana - oito no total -, Metanoia conquistou a segunda
melhor média de público. Além disso, a produção alcançou a terceira melhor
média de público entre os dez filmes mais assistidos no final de semana
passado.
Retirado do blog Manuscrito.
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